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Correr na Cidade

Entrevista: Nelson Graça, o guerreiro dos trilhos

 

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Por Luís Moura:

 

Introdução

Nelson Graça tem 27 anos e começou a correr há 13 anos. É uma presença assídua a nível nacional em várias provas de trail e já tem no seu curriculum participações em algumas etapas dos circuitos europeus de trail e sky marathons.

Vamos conhecer um pouco mais sobre este atleta em ascensão:



Quem é o Nelson Graça? Como te descreves sucintamente
Alguém que sempre adorou novos desafios, associados ao desporto, natureza e companheirismo. Natural de uma pequena aldeia da Serra da Estrela, acabei por ter a minha adolescência na vila ribatejana da Golegã. Militar de profissão até ao momento, vi nos Comandos a oportunidade de enfrentar novos desafios pessoais. Iniciei-me no desporto em ginástica quando ainda era bastante novo, e depois de passar pelo futebol, encontrei na Orientação a oportunidade para um jovem fraco fisicamente conseguir conhecer o nosso bonito Portugal. Com tantos anos de Orientação, pelas mais diversas florestas e montanhas portuguesas e estrangeiras, não foi difícil apaixonar-me também pelo Trail. Neste momento vivo o presente, para que o amanhã tenha um pouco mais de história, e um pouco mais de vida!

 

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Como é que apareceu o gosto pela corrida? Foi por influência na escola ou familiares?
Quando comecei a praticar desporto, era um jovem com excesso de peso. A corrida surgiu na minha vida, um pouco para me ficar a sentir melhor comigo mesmo, e também para desanuviar um pouco ao fim de um dia de aulas. Não tenho tradição desportiva na família, infelizmente, e por isso não tive um grande apoio familiar quando começei a correr. Sair para treinar e competir, nem sempre foi visto com bons olhos lá em casa, a não ser que as notas na escola melhorassem.

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Em que medida estares no ativo no Exército influencia os teus treinos? Coloca-te alguma limitação temporal ou, neste momento, permite fazer uma boa gestão do tempo disponível?
No Exército a actividade física deveria ser um dos pilares fulcrais, no entanto, devido ao enorme empenhamento que a Unidade onde estou colocado tem, nem sempre é fácil conciliar com os treinos. Se existem momentos em que é praticamente impossível conciliar com os treinos, também é verdade que há fases em que a instituição nos possibilita ter bastante tempo para o treino físico, o que me beneficia no planeamento de treino.


Já tiveste muitas limitações quando estiveste no Afeganistão. Como era saber que não poderias treinar da melhor maneira para as provas que querias?
Adaptava-me. Ao estar por diversas vezes no Afeganistão, fiquei privado de ter a possibilidade de estar presente em competições desportivas que sempre gostei de estar. Treinava nas passadeiras dos ginásios ou sujeitava-me à poluição e poeira típicas de Cabul, que no verão eram inflacionadas pelo enorme calor que se fazia sentir. Também me sujeitava às temperaturas negativas e neve do Inverno rigoroso. No entanto, tal como os portugueses, muitos eram os contingentes estrangeiros que organizavam actividades desportivas ao longo da missão, algumas delas famosas corridas populares, em que aproveitava a oportunidade para competir e ter outros objectivos enquanto estava longe de Portugal.

 

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O facto de seres militar tem algumas desvantagens, mas também traz muitas coisas boas. Achas que a disciplina e o rigor que faz parte de pertencer a uma força especial ajuda no transfer para os treinos e provas?
Sem dúvida que nos Comandos aprendi o que é a pontualidade, disciplina e organização temporal. Quando se é exigente e se pretende elevar uma fasquia para os nossos objectivos desportivos, todos estes factores se tornam muito importantes no dia a dia para conciliar com os sacrifícios pessoais e familiares que fazemos.


Tens sempre imenso cuidado e estás sempre a dar boas dicas de alimentação. Partilhas a opinião que o nosso peso é 80% alimentação e 20% esforço?
O nosso corpo é uma balança bastante complexa. É verdade que quando se atinge um volume de treino muito grande, sentimo-nos um pouco mais à vontade para comer aquilo que quisermos. Tento ter algum cuidado com a dieta que faço ao longo do dia, mas não escondo que sou bastante guloso e não abdico de vários alimentos que tanto adoro. Cada indivíduo deve ter o seu equilíbrio entre a alimentação e o dispêndio de energia que tem no dia a dia.

 

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És apologista que todos devemos ter uma alimentação cuidada e equilibrada, seja atleta ou não?
Claro! Atleta ou não, a nossa saúde agradece e muito uma alimentação cuidada. Como diz o velho ditado “somos o que comemos”! Todos sentimos as diferenças no nosso bem estar quando optamos por uma alimentação mais ou menos saudável. A tentação por comidas mais “gulosas” pode ser enorme, no entanto elas também fazem parte da nossa alimentação. É necessário escolher determinados momentos para as comer sem privação, matando assim o “bichinho” do desejo.

 


Como se deu o salto de atleta de "alcatrão" para os trails ou algumas das últimas sky marathons ?
Nunca fui um atleta de alcatrão. Iniciei-me na prática desportiva na modalidade de Orientação, um desporto muito bonito em que a floresta é o palco da sua prática. Como tal, a corrida em montanha de uma maneira muito genérica, sempre fez parte da minha vida, uma vez que as principais competições e estágios de Orientação, eram feitos em locais como o Gerês, o Alvão, a Estrela, etc...; As provas de “alcatrão” sempre foram uma maneira de alargar a minha visão desportiva, aproveitando as corridas mais populares para testar e avaliar a minha condição fisica com rigor, bem como para o convívio e o ambiente fantástico que as corridas urbanas também têm.

 

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O que trazes da tua última prova, a maratona da Ultra Pirineus? O que te ficou mais retido na memória ?
Uma partida arrepiante, complementada com uma chegada muito emocionante foram sem dúvida dos momentos mais marcantes. O ambiente catalão é muito acolhedor e sem dúvida que a população tem o Trail intrínseco no seu dia a dia. Afinal, como te sentirias se aos 2500m de altitude tivesses alguém que trepou uma montanha só para te aplaudir sob um frio gélido?

 
Chegar em 7º da geral e ser o melhor português numa prova deste calibre provoca um turbilhão de emoções enorme. O que te vai pela cabeça a 1km da meta? O que falas com os teus botões da camisa?
Independentemente de classificações, sempre que caminhamos para o fim de uma prova destas, tudo passa pela cabeça. Os sacrifícios que fizemos para ali estar. Quem nos apoia estará presente para assistir à nossa chegada? No caso da Maratona, sabia que pelo menos uma pessoa estaria a acompanhar a minha prova, não no local, mas pela internet. Sabia que estava ali muito graças a ela, e que se ia em 7º ou em que lugar fosse, ela era a responsável pela preparação ter sido mais fácil. Terminar a prova num mar de gente e faltar quem mais nos apoia, foi como se na verdade estivesse sozinho.


O nível competitivo nestas provas é elevado, basta ver os tempos de passagem pelos PAC's e a pouca diferença nos tempos entre atletas no final da prova. Mesmo nestes ritmos elevados e andando sempre rodeado da "nata" do trail, consegue-se aprender coisas novas durante a prova? Pequenos truques e dicas que vemos os outros a fazer e dizemos para nós mesmos "hummm, parece-me interessante"?
Sem dúvida que pelo menos eu tenho muito a aprender no Trail. A este nível temos o privilégio de estar rodeados por atletas que conhecem bem a montanha, as suas caracteristicas e as exigências físicas que dela advém. Estudei o melhor que pude a lição e a minha estratégia em casa antes da Pirineu, no entanto é no momento que temos de nos adaptar e ir reformolando as nossas estratégias consoante o nosso estado, a nossa classificação e o próprio decorrer da prova. Um dos momentos que não me esqueço foi quando seguia com o atleta da The North Face Yarey Duran Lopez, que tinha uma estratégia muito boa de gestão de esforço quando estávamos quase no topo da montanha a 2500m. Posso dizer que ali estava a aprender pequenos grandes truques a meio da prova com um dos melhor atletas internacionais de Ultra Trail.

 

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Quais os teus objetivos para 2016?
2016 será uma grande incógnita. Entre conciliar o trabalho, as competições de Orientação, o Troféu de Atletismo de Cascais, o Trail e muitos outros projectos que estão previstos para o próximo ano, não será fácil. No entanto não quero descuidar o desgaste que as provas de Trail têm sobre uma época inteira. Existem demasiadas provas em que quero estar presente, mas há que selecionar bem e antempadamente o que queremos fazer. Vou tentar ser criterioso com as provas onde apenas gosto de estar presente para treinar, ou aquelas que gostaria de estar a 100%


E quais são os teus sonhos para a corrida nos proximos anos?
Para alguém que leva o desporto como um hobby como eu, penso que acima de tudo é poder conciliar a vida social e profissional, com o mundo desportivo. As corridas são uma grande parte de mim, no entanto existem outras prioridades neste momento. Poder treinar e ir fazendo as minhas corridas sem ter nada que o impeça, é sem dúvida o maior sonho desportivo!


Já disseste por diversas vezes que não te vês neste momento a fazer provas maiores do que maratonas. Achas que preferes mais a "velocidade pura" das distâncias mais curtas ou as ultra maratonas não te fascinam como aos outros atletas? Achas que neste momento não irias sentir a adrenalina e o kick de emoções que as curtas te proporcionam agora?
Como já tinha referido, acima de tudo gosto de poder treinar ao fim de um dia de trabalho cansativo, nos fins de semana poder sentir o convívio das provas e sentir-me  bem comigo mesmo. As Ultras para além de desafios pessoais e momentos de grande superação, representam também uma grande agressão ao corpo de um atleta, deixando um grande desgaste que perdura durante meses. Por esse motivo encontrei nas Maratonas de Montanha um equilíbrio para tudo isso. Não quero dizer que um dia não venha a reformular opções, e não opte por andar uns meses mais empenado!

 

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Como vês o atual panorama nacional de trail? Este "boom" gigante de atletas de pelotão como os especialistas chamam?
Todos sabemos que o Trail é conhecido pelo seu companheirismo e entre ajuda. A sua prática proporcionou a oportunidade de muitos portugueses sairem de casa para virem conhecer o nosso Portugal. Muitos iniciaram-se no desporto, outros optaram por trocar de modalidade, mas muitos apaixonaram-se pela beleza dos trilhos e das paisagens em Portugal. Cada um é livre de praticar a sua distância, ao seu ritmo, com os seus próprios objetivos. Já assisti a vários “booms” noutras modalidades, mas quero acreditar que o Trail terá uma fase longa, duradoura e sustentável. Agora tudo depende da criação de bases sólidas e que os bons princípios do Trail e do respeito pela montanha nunca se percam.

 


Em 2015 devemos estar a chegar a um pico "controlado" de número de provas e em 2016 e 2017 devemos ver um retrocesso no numero de provas, pois as pessoas vão começar a ser mais exigentes e a escolher as que tem mais qualidade ou percursos "desafiantes". O que é importante para ti numa prova? Como decides aquelas provas que queres participar? 
Localização, percurso, dificuldade, qualidade da organização?
Acima de tudo procuro visitar locais novos, aproveitando as provas que proporcionam os locais mais agradáveis e bonitos do nosso Portugal, Europa e talvez um dia pelo Mundo fora. Coloco a segurança da organização como um dos principais factores para estar presente, não abdicando de ter presente sempre alguns companheiros do Trail presentes para bons momentos de companheirismo.

 

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O que pensas da profissionalização do trail? É um caminho que lá fora já está a ser seguido e cá dentro vamos muito rapidamente a caminhar nesse sentido, visto que o mercado e o retorno do trail já começa a existir para as provas e para as equipas. Vai ser bom para a modalidade ou vamos criar um maior nicho de super-atletas como acontece nas provas de estrada?
A partir do momento em que a profissionalização do Trail ou de qualquer modalidade avança, é sempre uma mais valia. Temos pessoas especializadas e 100% dedicadas em torno da modalidade. Acredito que deve haver uma simbiose entre organizações, atletas, clubes e Associações, para que cada um tenha a sua cota parte financeira para que o Trail cresça com saúde e sustentável. Ficaria desagradado se soubesse que alguém está no Trail apenas para ver “cifrões” sem ter respeito pelos atletas ou pela própria montanha.

 

Como estão os portugueses a sair-se nas provas internacionais?
Os portugueses têm honrado da melhor maneira as cores de Portugal. O "boom" do Trail, não é apenas nacional, mas também internacional, aumentando (e muito) a competitividade nas provas internacionais. Muitos atletas internacionais são profissionais ou semiprofissionais, tendo uma capacidade de preparação para o Trail muito boa. Em Portugal infelizmente os nossos melhores atletas não têm essa possibilidade. A falta de alta montanha também se torna um obstáculo para a preparação de provas internacionais que decorrem a grande altitude. A meu ver, é de louvar o espírito de sacrifício que os nossos atletas têm, uma vez que têm conseguido grandes feitos com tão pouco. Por vezes apenas podemos limitar-nos a imaginar o que conseguiriam se fossem mais apoiados...

 

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O que achas que nós "tugas" podemos almejar nas provas internacionais? Até onde podemos ir com a falta gritante de apoios e de alta montanha para treinar como os estrangeiros conseguem?
Defendo que  os investimentos sustentáveis têm grandes repercurções. Quero acreditar que um “efeito borboleta” em Portugal trará grandes vislumbres para o Trail português. Tem-se feito um grande trabalho de divulgação do Trail nacional e dos nossos atletas, os apoios começam a aparecer, as condições a melhorar, e a qualidade a subir substancialmente. Compete a todos nós não perder a motivação desse grande trabalho que tem sido feito pelo Armando Teixeira, o Carlos Sá, a ATRP, os meios de comunicação, etc, etc, etc... Os estrangeiros têm um longo passado e um enorme caminho percorrido no Trail. Deixemos que o nosso cresça também nos mesmos moldes, e talvez num futuro breve possamos melhorar as nossas condições de treino .

 

 

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