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Correr na Cidade

Quando a corrida se torna obsessão

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 Ilustración: N.C. Winters

 Por Tiago Portugal

 

Andas obcecado com a corrida! Esta afirmação é familiar a alguém?

 

A corrida e a ânsia por resultados pode, em alguns casos, transformar-se numa verdadeira obsessão e tomar uma dimensão tal que ponha em causa o rendimento profissional e a vida pessoal e familiar.

 

É sempre importante relembrar que nem sempre “mais” significa “melhor”.

 

Atingir o equilíbrio entre a nossa paixão e as restantes componentes do nosso dia-a-dia pode revelar-se algo verdadeiramente complicado de atingir, e é preciso ter um grande jogo de cintura, algum poder de encaixe e muita flexibilidade para repartir o nosso tempo entre as diferentes atividades que a maioria de nós têm: desportiva, profissional e familiar.

 

É preciso tempo para:

  • A atividade desportiva, profissional e familiar;
  • Treino e competição;
  • Treino, períodos de recuperação e tempo de lazer;
  • Treino de força, técnica e resistência;
  • Períodos de carga nos treinos e períodos de relaxamento/afastamento.

 

De que forma poderemos nós construir e gerir esse equilíbrio?

 

Como planificar o nosso treino de forma a respeitar todas as componentes da nossa vida?

 

Quais os sinais de que estamos obcecados? Sofreremos de vigorexia?

 

Treinar com qualidade e não quantidade pode ser a chave para permitir atingir os resultados desejados em todas os aspetos da nossa vida, e não só os desportivos.

 

O aumento, ainda que ténue, do rendimento desportivo através da melhoria dos tempos alcançados ou das distâncias percorridas associado à produção de endorfinas pode conduzir, mesmo às pessoas mais equilibradas, a uma alocação do tempo cada vez maior no desporto e na prática da corrida em detrimento da família e do trabalho.

 

Esta intensa procura pela melhoria e progresso, aumento do bem-estar físico e consequente autoestima pode tornar-se uma obsessão e desviar a nossa atenção de aspetos relevantes da nossa vida.

 

É cada vez menos raro vermos ou conhecermos alguém que abdica dos fins-de-semana todos para treinar ou leva o seu treino e dieta a extremos pouco saudáveis, pondo em causa a sua saúde e sanidade mental.

 

Paixão que devora, a corrida pode progressivamente fechar quem a pratica a uma vida solitária e inteiramente focada nos treinos e objetivos. Os eremitas desportivos são uma espécie em crescimento.

 

Alimentação cuidada ao extremo, plano de treino seguido ao milímetro, períodos de descanso calculados ao minuto, utilização de relógio, cardiofrequencímetro, zonas de HRM específicas, tudo isto seguido sem flexibilidade, como se fosse o único caminho possível para alcançar os resultados, talvez o mais rápido mas não por isso o melhor e mais duradouro.

 

A juntar a este rigoroso planeamento existem cada vez mais praticantes obcecados que abdicam de todas as distrações possíveis, festas de amigos, jantares em família, convívio, o célebre dia da asneira para comer um doce. O treino e a aproximação das provas passam a ser a principal desculpa para evitar o contacto social e permitir o afastamento e isolamento.

 

Não é fácil reconhecer que atingimos esta obsessão, que efetivamente estamos viciados no desporto, na corrida e nos resultados.

 

Existe uma ideia preconcebida de correlação entre a quantidade de treino e a melhoria do rendimento desportivo. Será que treinar mais vezes, mais tempo, de forma mais intensa e com um plano rigoroso e austero levará efetivamente a melhorias? Ou será uma mera ilusão?

 

Queremos treinar com a mesma intensidade que os desportistas profissionais, esquecendo-nos que ao contrário destes, não vivemos do desporto e temos outras atividades profissionais.

 

Fará sentido um corredor amador querer treinar da mesma forma do que um atleta de elite? Creio que não. Começa desde logo por não termos as mesmas condições: treinadores, equipa médica, fisioterapeutas, patrocinadores, etc.

 

É muito difícil a um corredor amador rivalizar com estes atletas e pretender efetuar o mesmo tipo de treino. Quem o tenta e não alcança os resultados desejados, é invadido por uma sensação de culpabilidade, de não ter feito o necessário e entra numa espiral recessiva de um isolamento cada vez maior.

 

Treinar com a sensação que estamos a roubar tempo à nossa família e amigos não é positivo e cria stress, ansiedade e sensação de culpabilidade.

 

E se depois de tanto esforço e termos abdicado de momentos em família não atingimos os resultados pretendidos? O que acontecerá? Dependerá das características individuais de cada um de nós.

  

Para alcançar uma boa condição física, mental, moral e social é preciso conciliar e gerir todos estes equilíbrios e ter flexibilidade para adaptar os nossos objetivos à nossa realidade e saber que não podemos todos aspirar a ser o Carlos Sá ou Kilian Jornet.

 

Pelo menos eu já deixei de sonhar com isso.

 

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